setembro 25, 2007

A fonte que deu de beber aos filhos gêmeos




Euá, a Misteriosa, tinha dois filhos gêmeos.
Aonde ela ia, levava junto as crianças, os meninos Ibejis,
pois ela não tinha com quem os deixar.
Ia ao mercado, levava os meninos.
Ia ao rio lavar roupa, levava os meninos.
Ia à roça cultivar o inhame, levava os meninos.
Onde ela passava, o povo dizia:
“Lá vai Euá com seus filhinhos gêmeos.”
Sempre alguém comentava sobre os meninos:
“ Eles não são a cara do Adivinho?”
Um dia Euá, a Misteriosa, teve de sair para buscar lenha,
com a qual fazia fogo para cozinhar.
Euá tomou os filhos Ibejis pela mão
e foi para um lugar próximo buscar lenha.
Com ajuda dos meninos, Euá fez uma bela trouxa
de galhos e gravetos bem sequinhos.
Já era tarde e os meninos reclamavam de fome.
Disse Euá às crianças:
“Está ficando tarde. Vamos para a casa
e já, já vamos comer um inhame assado bem gostoso.”
Os meninos sentiram a boca salivar.
“Vamos comer feijão-fradinho?”, perguntou um dos meninos.
“E também milho assado, hum?”, sugeriu o outro.
“Ora, ora, crianças, vamos comer de tudo”, ela prometeu.
E completou, ajeitando nas costas o feixe de lenhas:
“ Quando chegarmos em casa,
vou cozinhar um banquete para meus gulosos.”
E assim estavam os três tão entretidos, falando de comida,
quando, de repente, Euá percebeu que tinham se perdido no mato.

Euá procurava achar o caminho,
Tomava uma trilha, virava na outra, e nada.
Euá não conseguia achar o caminho de casa
E os meninos não aguentavam mais de sede.
Os Ibejis precisavam de água, a sede aumentava a cada passo.
Mas Euá não encontrava nem o caminho de casa nem água para beber.
Nem um riacho, nem uma fonte, nem olho d’água.
Os gêmeos choravam, já não tinham forças para caminhar.

Euá, a Misteriosa, estava desesperada.
Precisava aplacar a sede dos filhinhos.
Olhou para o céu, esperançosa, à procura de um sinal de chuva,
mas o céu estava completamente azul.
Nem sequer uma nuvenzinha; não ia chover tão cedo.
Os meninos já não podiam resistir.
Se ela não lhes desse água, morreriam.
Euá então implorou a Olorum, o Ser Supremo,
que não deixasse os meninos morrerem de sede.
Olorum se compadeceu daquela pobre mãe.
Euá estava sentada no chão,
com as pernas abertas e os braços estendidos,
amparando, cada lado do corpo, um dos meninos.
Então as mãos e os braços de Euá começaram a liquescer.
O corpo todo de Euá foi se transmutando em água,
transformado numa fonte que brotava do chão.
De repente, a água jorrava fresca, cristalina, pura.
Os meninos beberam da água e se recuperaram.
Mataram a sede, ganharam suas forças e se salvaram.
A fonte continuou a jorrar e produziu uma corrente de água
e a corrente entrou floresta adentro e se transformou num rio.
Os meninos conseguiram voltar ao povoado
e lá contaram a história da mãe-fonte, da mãe-rio.
Euá é agora orixá do rio que tem seu nome.
Euá é orixá das fontes.
Euá, a Misteriosa, a que não teme a Morte.